quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O humanismo de uma causa



Há cem anos atrás, às 9 da manhã, foi proclamada a república da varanda da câmara municipal de Lisboa. As palavras de José Relvas ecoaram pela Praça do Município e oficializaram uma das primeiras grandes vitórias do humanismo. Uma vitória que começou a ser idealizada no principio do século XIX, num território que germinou no mesmo dia 5 de Outubro, mas 767 anos antes, em 1143, aquando da assinatura do tratado de Zamora.

Muitos séculos e dinastias depois, com a vitória dos Liberais em 1820, inspirados pela igualdade e fraternidade Francesa e pelos ventos do outro lado do oceano, Portugal passou a viver sobre uma Monarquia Constitucional, abolindo o absolutismo e passando a eleger as cortes gerais, dando origem à Primeira constituição Portuguesa em 1822. Era no entanto uma eleição que apenas cerca de 15% da população tinha direito a sufragar, uma vez que a mulheres e analfabetos não era dado o direito ao voto. Convém situarmo-nos no tempo da história que contamos ou revivemos, nem que seja na nossa imaginação, julgo que só assim podemos compreender verdadeiramente o grande passo que terá sido o estabelecimento de um regime atribuído por eleição em detrimento do poder nascido em berço real.

Nada mais justo… nada mais lógico…

Em 1910, a corte tinha perdido quase todo o encanto. Vergada ao ultimato Inglês que punha em risco as nossas colónias e exposta a um partido republicano cada vez mais forte, viu Bordalo Pinheiro caricaturá-la com uma grande porca da qual todos os políticos mamavam e que a carbonária e a sua artilharia civil queriam destruir à bomba e ao tiro, aparentemente, sem grande indignação da população. Anos antes, no primeiro dia de Fevereiro de 1908, o brutal assassinato do Rei D. Carlos e do seu filho sucessor, em plena praça do comércio, que à época se chamava Terreiro do Paço, lançou o jovem de 18 anos D. Manuel II para o trono, tornando ainda mais frágil a já débil monarquia constitucional vigente.

Não quero estar aqui a contar os pormenores de uma revolução que não vivi, mas há nomes que não devemos esquecer, Machado Santos, Cândido dos Reis, José Relvas, Miguel Bombarda, Magalhães Lima, Luz de Almeida, Teófilo Braga, João Chagas, Afonso Costa, Manuel de Arriaga, António José de Almeida, Bernardino Machado, Egas Moniz, Carolina Beatriz Ângelo, a 1ª mulher a votar em Portugal, entre tantos outros mais ou menos anónimos, fizeram nascer uma Republica num País com mais de 80% de analfabetos, virgem da radiofonia, em que a noticias se espalhavam, na maior parte dos casos, de boca em boca. Para quem vive numa sociedade de informação, em que as noticias nos caem no colo minutos depois de se desenrolarem as situações que lhes dão origem, é difícil imaginar como seria viver na completa ignorância, sem saber ler nem escrever e nem a isso ter direito, sobrevivendo tantas vezes do campo ou da pesca, trabalhando dia após dia, sem folgas, sem horários, nem leis que nos protegessem de toda e qualquer injustiça que sobre nós recaísse.

Foram os homens, civis e militares, que se barricaram na rotunda, agora Marquês de Pombal,apoiados por 2 cruzadores estacionados no terreiro do paço, os responsáveis por quase tudo aquilo que muitos agora dizem estar em risco. A grande maioria dos nossos direitos, foram conquistados nos anos seguintes, no período mais conturbado da nossa história recente, entre 1910 e 1926. Terá sido um período caótico, com 9 presidências e 48 governos e uma ditadura sidonista pelo meio, mas por certo terá sido a altura, a par do pós 25 de Abril, em que mais se pensou o futuro de Portugal.

Escreveu-se a primeira constituição da República, domingo passou a ser folga obrigatória e os analfabetos passaram a poder votar, introduziu-se o casamento civil, compôs-se um novo hino, desenhou-se uma nova bandeira e um novo espírito nasceu.
O povo ganhou o poder de poder escolher, ou pelo menos ganhou as condições para o ter, porque para de facto o exercer em consciência foram precisos muitos anos, pois em 1926 diz-se que o povo escolheu o pão em vez da educação, entregando-se às mãos dos conservadores apoiados pela Igreja, numa santa aliança contra o conhecimento e educação de um povo, dando poder a uma ditadura que castrou a lápis azul o desenvolvimento intelectual português.

É por isso que apesar de sermos uma das repúblicas mais antigas do mundo, somos ainda uma jovem democracia, cheia de vícios antigos e reverências fora de moda. O tempo porém encarregar-se-á de mudar isso, tornando-nos numa sociedade cada vez mais participativa nas políticas que nos condicionam a forma de viver. As crises nunca são agradáveis, mas é quando as vivemos que nos esforçamos para perceber o que fizemos de errado e o que podemos fazer dai para a frente para que não tenhamos que passar por elas novamente.

Hoje sentimos no bolso as medidas que dizem ser solução para sairmos da crise em que parece nos estarmos a afundar, e mais do que nunca, o povo está atento, o povo está a ver.A pouco e pouco, novas vitórias como a limitação de mandatos e a criação de movimentos de cidadãos,abrem portas a uma democracia mais justa e mais igual. Culpar este governo por todos os males e fechar os olhos, é a forma mais fácil de não evoluirmos e deixarmos escapar uma oportunidade de fazer algo que fique gravado na história, algo que daqui a cem anos seja celebrado da mesma forma que hoje celebramos a republica.

As verdadeiras mudanças começam em nós.Começam na capacidade de nos distanciarmos e percebermos o que vemos, as coisas boas, as coisas más, o negro e o branco… e juntar tudo num puzzle a cores que nos mostre o suposto quadro perfeito, de como tudo deveria ser. Mas é mais difícil sermos capazes disso quando estamos órfãos de referências, cobertos de nuvens de suspeição sobre tudo e todos, esponjas de uma informação instantânea que insiste em esbarrar na obscuridade do estado.

Mas não é a velocidade e quantidade de informação que temos que mudar, essa seguirá o seu caminho separadamente do estado, desde que isenta e livre, mas deve ser sim, o próprio estado a abrir-se ao povo, porque essa é a única forma de atrair as pessoas para a política e restituir o valor a tão nobre actividade, que hoje insiste em repudiar os melhores quando devia aliciá-los e conquistá-los para si.

Sejamos por isso mais claros no que pudermos ser, mostremos como são aplicados os impostos das pessoas, divulguemos os custos e abramos os cofres das nossas receitas, para que todos juntos às claras e não às escuras num gabinete qualquer, se pense sobre o futuro de tão nobre País. Pessoalmente acredito que a qualquer um de nós, saiba melhor saber que deu 25€ para a biblioteca poder funcionar devidamente, ou 50 cêntimos para aquele concerto que até foi ver e gostou, ou qualquer outro valor para que pudesse ter uma piscina coberta e aquecida.No fundo, saber que se foi útil para alguma coisa em especifico, e por isso dar-lhe mais valor. Só assim teremos a possibilidade de devolver a credibilidade ao estado, permitindo a participação em vez do desinteresse, a discussão em vez do silêncio, no sentido de uma democracia participativa, plural, justa, alicerçada numa noção de mérito e de reconhecimento inquestionável.

Façamos por merecer um passado como o nosso, inspiremo-nos na memória dos grandes homens, que tornaram possível hoje termos também direitos e não só deveres e façamos o melhor que soubermos, se não por nós, por eles e pelos que virão a seguir a nós.

12 comentários:

Anónimo disse...

Grande parte dos paises mais desenvolvidos e com melhor qualidade de vida na europa, são monarquias. Os 100 anos de república só agravaram as desigualdades e serviram para que algumas dúzias de politicos ficassem podres de ricos, para além dos tachos que criaram para familiares, amigos, afilhados, camaradas nas câmaras e no aparelho do estado.

Anónimo disse...

Ao anónimo das 9.24
Concordo plenamente
Os meus parabéns

Marius Herminius disse...

Pobre monarquia, quando é defendida "apenas" porque nela não há "tachos"! Os "tachos" nada têm que ver com os regimes políticos mas sim com as pessoas que ocupam os lugares de mando e durante a monarquia também houve corrupção e compadrio, por muito honesto que fosse o rei.
Eu acredito mais na Ética como princípio limitador dos abusos do que em qualquer outra doutrina.
Reparem que os países mais desenvolvidos se situam no Norte da Europa e vejam qual é a religião que eles praticam. Sim, que o Protestantismo – na sua diversidade - , salvo as costumeiras excepções que confirmam a regra, tem um sentido do Dever e do Servir (a chamada Ética Protestante) que a Religião Católica não tem.
Quanto ao post em si – que considero aceitável - constato as habituais contradições do seu autor. Diz que culpar este governo é fechar os olhos mas eu penso que não o culpar é ser cego. Até porque ninguém culpa este governo de “todos os males”, nem é preciso. Basta o que basta.
Depois escreve que deve ser o estado a abrir-se ao povo para mais abaixo referir que se dermos dinheiro para algumas instituições será uma forma de devolver a credibilidade ao estado…
Acredito nas boas intenções aqui descritas. Pena é que delas esteja o inferno cheio.

Anónimo disse...

Eu nem vou tão longe. Basta-me ver o que aconteceu em Portugal no período pós 25 de Abril. Novos ricos à custa da política e de uma pseudo-democracia, que sobretudo se serviram do país e não serviram o povo ao contrário do que prometem. Apanharam um povo ignorante, analfabeto, a quem fizeram uma lavagem ao cérebro à conta dos habituais chavões "fascismo nunca mais", "a terra a quem a trabalha", "o povo unido jamais será vencido", "abaixo o grande capital", "fora com a burguesia", etc, etc. E hoje o que vemos é que os politicos, da esquerda à direita, passando pelo centro, estão todos bem na vida, não se lhes conhecem os filhos no desemprego, e mesmo aqueles que ainda hoje discursam contra o grande capital e contra os grandes lucros da banca, são os mesmos que andam de BMW, Audi, Mercedes, os grandes símbolos do capitalismo, têm casas de praia e montes alentejanos, vestem roupas de marca, e comem nos melhores lugares. Temo-los em Sines, em Santiago, em Beja, em Grândola, etc, outrora bastiões comunistas importantes. Antigos autarcas com boas reformas, boas moradias, familiares bem empregados, etc, etc. E viva a Democracia e a República!

Marius Herminius disse...

Ó anónimo das 10:27

Diga-me em que praia têm casa de férias Francisco Louçã ou Jerónimo de Sousa,que automóvel é que conduzem e qual é o costureiro de marca que os veste.
Mas pensando melhor, nem preciso que me esclareça, porque o seu parágrafo final é bem claro.
Nele você mostra à saciedade que é um ressabiado e que só recorrendo à calúnia consegue atingir os seus rasteiros fins.

Bruno Leal disse...

Marius, quando digo que prefiro saber quanto pago e para o quê, refiro-me aos impostos e não a dar dinheiro a instituições de outra forma.

Marius Herminius disse...

Bruno Leal

Eu compreendi essa ideia e até concordo com ela, só que depois você conclui com a frase "Só assim teremos a possibilidade de devolver a credibilidade ao estado (...)" e isso parece-me uma contradição, mas admito que seja falta de compreenção da minha parte.

Anónimo disse...

Sr Herminius, dê-nos lá alguns exemplos de filhos de políticos que estejam inscritos nos centros de emprego. Dê-nos lá nomes de filhos de politicos que sejam licenciados, que estejam na lista dos mais de 30 mil licenciados no desemprego. Vá, faça-nos lá esse favor.

Marius Herminius disse...

Anónimo das 9:14

Você não vire o bico ao prego!
Quem acusa é que tem que apresentar provas do que afirma!
Essa agora!!??
Você, ou todos os anónimos acusadores, é que têm o DEVER de dar exemplos do que sai da vossa cabeça mesquinha e ressabiada.
Quando se limitam a lançar lama sobre todos é porque nada sabem de concreto e se sabem são demasiado covardes para o assumir.
Mandasse eu neste blog e comentários como esses não veriam aqui a luz do dia.
A liberdade só deve ser exercida por quem assume a responsabilidade dos seus actos e quem escreve estas atoardas sobre anonimato não merece a mínima consideração.
Com tanto veneno dentro, se você morder a língua morre. Com certeza!

Anónimo disse...

A melhor profissão em Portugal é ser, politico. Não precisas ter um canudo. Podes ter só a quarta classe, e saber fazer um nó de gravata. E se tiveres um cartão partidáro e as quotas em dia, se fores bem falante, tens o futuro garantido. E até podes encaixar alguns amigos e familiares, que a cunha em Portugal é uma instituição. Alguns já começam a recear porque há cada vez menos câmaras de certa cor politica para encaixar tanto camarada.

Anónimo disse...

É lamentável que um belo texto sobre a implantação da república, com a abertura e visão para o momento que vivemos, seja comentado quase exclusivamente por um bando de atrasados mentais que em nada dignificam o blogue. Lamentável mesmo! Então a Monarquia era um regime perfeito? O que querem afinal esses anónimos expressar, para a além da sua santa burrice?

efernandes disse...

Que gente venenosa mesmo, mas anónimos!Que gente corajosa!