domingo, 25 de outubro de 2009

Os Pobres que paguem a Crise

"Os salários baixos são necessários para 25% das nossas exportações e nós não podemos perder 25% das nossas exportações".
Nem mais, nem menos. Esta frase brutal é da autoria de Francisco Van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, que, em entrevista recente, voltou ao ataque contra o aumento do salário mínimo nacional (SMN). É verdade que não é novo e que a sua recorrência talvez já nem surpreenda. Van Zeller tenta, assim, encavalitado nas costas largas da crise, emendar o acordo celebrado na Concertação Social que prevê o aumento gradual do SMN até aos 500 euros em 2011.
São palavras obviamente grotescas. Sobretudo porque dispensam o polimento a que aconselharia o conteúdo, defendendo, em representação dos patrões, a mais miserável interpretação da "competitividade". Pois bem, ele quer falar assim mesmo. É preciso pagar muito pouco e mal, intensificar a exploração e sujeitar esta franja de trabalhadores e trabalhadoras em Portugal ao limiar da pobreza, em nome... da "economia".
É uma ameaça dirigida a toda a gente. Trata-se de aproveitar as dificuldades para congelar as bases da exploração e intensificá-la. Mas é também um aviso e um teste à futura governação de Sócrates, agora sem maioria absoluta e com um significativo crescimento à sua esquerda. Aliás, o mesmo Van Zeller, no dia seguinte às eleições legislativas
explicou logo a Sócrates que só poderia governar com a direita. Esta espécie de mordomo dos patrões pressiona porque quer saber se o "seu homem", aquele "felizmente" foi e é o seu primeiro-ministro, está ou não à altura do que aí vem. Perante o "novo Sócrates", aparentemente equidistante e dialogante, que propõe coligações-faz-de-conta a toda a gente, Van Zeller quis pôr-se em cima da balança com todo o peso do poder dos patrões.
Mas não se pode dispensar uma outra leitura. Estas declarações surgem justamente na semana em que se confirmou que em Portugal
a pobreza não pára aumentar e afecta cerca de um quinto da população, quando percebemos que muitos destes pobres são pessoas que, mesmo tendo trabalho, não escapam à miséria. Estamos, portanto, para lá da selvajem ofensiva, perante uma disputa sobre o balanço dos últimos desastres provocados pela toxicidade das bolsas e outros carteiristas.
Querem que os pobres paguem a crise. E conseguem. Nada de novo, até aqui: os pobres pagam, todos nós pagamos, esta como todas as crises deste sistema da ganância infinita. Mas, como nos disse Paulo Portas durante a campanha eleitoral, querem também responsabilizar pela crise os pobres, os desempregados, os precários e quem trabalha cada vez mais para receber cada vez menos. Tem que ser às nossas custas. Tem que ser às nossas costas e temos que sentir todo peso, para que eles possam sair da crise às nossas cavalitas.
O descaramento não é apenas uma característica pessoal de Van Zeller. Este homem é mais uma voz - apenas aparentemente desbocada - de ideias que se querem instalar no senso comum. Para lá de Sócrates, dos seus malabarismos passados e futuros, aqui está uma disputa que conta e reclama um combate inadiável.
Tiago Gillot

2 comentários:

carlos andré disse...

"Ao contrário da maior parte dos países da zona euro, Portugal aceitou transpor a directiva comunitária que permite aos comerciantes cobrarem uma taxa sobre os pagamentos com cartão. A DECO diz que a directiva é um incentivo à fuga aos impostos."

Cá para mim vão nascer mais duas taxas:a taxa sobre os pagamentos com cartão e de levantamentos em ATM.

Anónimo disse...

Com Sócrates a (des)governar este país,não se prevê, na minha opinião que haja melhorias. Afinal não foi ele o causador de tudo o que está a funcionar mal? Este governo já demonstrou que anda à deriva, que não tem um rumo para o país. Cada vez se exige mais das pessoas que trabalham, sem que se veja compensações, pelo contrário, ainda desvalorizam o trabalhador. Além disso, está-se a incentivar à preguiça. Afinal, para quê trabalhar se ganham mais sem fazer nada? É preocupante o rumo que este país está a levar, ainda vamos ficar como os países africanos. Para não falar do despesismo que por aí vem. Carros novos topo de gama para toda aquela gente, telemóveis, jantaradas, almoçaradas, encaixar os que saíram... Estamos tramados!