segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

POST – IT

O post-it, aqueles papelinhos amarelos (existem noutras cores, mas para o purista, tal como os carros de bombeiros são vermelhos, os frigoríficos brancos, o post-it é amarelo), que se cotam algures, com rascunho de horas, gatafunhos ou iniciais em código que ninguém percebe, sempre exerceram um fascínio sobre mim. É como se pedíssemos licença para estacionar um pouco as nossas preocupações, naquela superfície. "Epá, não me esqueci, tenho colado mesmo ao lado do monitor." E pronto, está resolvido. Vivia descansado pois as agendas, telefones com calendário e lembrete, relógios com aviso sonoro, etc, nada substituía o silencioso e sereno papelinho amarelo. Agora qual, cavalo de Tróia, inventaram um software para produzir no nosso ecrã do computador post-it virtuais. Sacrilégio!!!.
É de pequenas recordações, notas, apontamentos, etc, de que viverá esta crónica, com a certeza que cada vez que o faço, suavizo a minha memória, neste acto de partilha.
Existem palavras, frases, ditados, aforismos, versos, poesias, que muitos anos depois de ouvidos, surgem de repente, saídos do nada ou então colados a alguma lembrança. Tal como aqueles rostos e nomes, que vá-se lá saber porquê, vivem sempre na nossa memória e quando menos esperamos, toma! Lá vem eles, sorrateiros ou de supetão.
Vem isto tudo a propósito, de três situações recentes que ecoam na minha memória,
Este ano no início do verão encontrava-me sentado na esplanada dos Galegos, local central da baixa siniense, e na minha infância destino de romaria obrigatório de quem visitava Sines. Muito perto da mesa onde degustava uma sempre fantástica arrufada - ou pão de Deus -, três conhecidos cidadãos do burgo, um dos quais candidato a autarca, comentavam as últimas incidências da política local, quando um dizia muito indignado e com visível preocupação que fosse ouvido: "Eu não admito que ponham em causa o meu sinismo". Tal era o calor da refrega que nenhum dos três se apercebeu da homofonía (vão ver ao dicionário, obrigado Carla). E volta à carga " o meu sinismo é igual ou até maior que o dos outros". Efectivamente, assim é, não podia ser mais honesto.
Quantas vezes uma visão distanciada ou nova é que se apercebe, de algo que está mesmo debaixo do nosso nariz. Tal como as crianças que à medida que crescem fazem uma interpretação diferente e perspicaz de coisas que nós nem questionamos, tal temos o nosso mundo tão arrumado e resolvido. Em conversa com alguns amigos, falávamos do problema da ZIL, transformado em parque habitacional, que se transacciona nas imobiliárias como casas de habitação e que ainda havemos de assistir à introdução de equipamentos sociais para a população residente. Estávamos, então na conversa, quando o mais distante de nós, que ainda não tinha participado, nem mostrado interesse no assunto, dispara: "acabei de descobri donde vem a palavra asilados, são os habitantes da ZIL, os azilados ". Brilhante companheiro, obrigado pela gargalhada colectiva.
Alguém dizia que Portugal é um País de poetas, mais recentemente de treinadores de bancada e agora de filósofos, acrescento eu.
Esta, devo-a a um amigo de infância que me contou, que por sua vez a deve ao seu autor. Se algum dos dois ler esta crónica e se identificar, aqui fica o meu muito obrigado.
Num conhecido café de Sines, entre os pequenos-almoços, falava-se da situação política e social actual. É então que alguém faz este sarcástico comentário: 'Antes do 25 de Abril, não podia falar que podiam ouvir. Agora posso falar à vontade que ninguém me ouve". Nada mais certo. Para lá de toda a ironia, reflecte bem o desencanto da sociedade civil perante o poder político e decisório do nosso País.


“Texto publicado no semanário Noticias de Sines, em 5 de Novembro de 2005.”

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