Antunes da Silva – Mar de Sines

“(…) o mar azul que beija e acaricia a costa lusitana e lhe dá esta cor torrada e meiga de fruto maduro, que faz pensar em alegrias rasgadas e vivas aventuras, cresce e alarga-se nesta baía envolta pelos caprichos duma brisa afagadora, pela juventude de um sol que doira Sines e as suas ruas, os seus arredores perfumadas e as janelas abertas das suas casas, sempre acesas e hospitaleiras.
(…)
Nas manhãs de Outono, a névoa evapora-se às nove horas, a Costa do Norte salta entre areias espessas, e o viandante é saudado pelo sopro de uma aragem peregrina, que vem de longe, à procura da terra, para, com o seu cheiro a maresia, a pintar de saudade.

Traineiras e botes deslizam no pano do horizonte na faina da pesca. Parecem botões de cristal aos solavancos, no mar. (…)

Uma onda mais alta pinta no dorso do oceano um retrato de fumo branco (…).

O aroma do clima esplêndido começa a notar-se em Porto Côvo e São Torpes, sítios que se estendem por uma estrada ladeada de eucaliptos ou terrenos nus, mas a pedir urgentemente uma rodovia marginal, bem urbanizada, e que iria acabar provisoriamente em Sines, para lé do farol, entre dunas e rochas perceveiras, também já secretamente cobiçadas pelos turistas estrangeiros (…) Isso era dantes, roubaram à Natureza o hábito dos palpites. Vai haver fumo e poluição…
(…)
Contudo, a Natureza ainda brinca no seu puro enleio de noiva (…).

E Sines dorme ao sol a sua sesta matutina. Tiraram-lhe a largueza para a tornar uma futura cidade industrial…”

SILVA, Antunes da, in Alentejo é Sangue

Antunes da Silva (Évora, 31/7/1921 – Évora, 1997)
Poeta, contista, cronista, participou em várias publicações, escreveu dois diários.

retirado do Blog Lusografias