sábado, 3 de janeiro de 2009

Noite de violência e esperança

Um final de 2008, a trabalhar quase até ao fim, levou-me que as 12 badaladas que fecharam para sempre 2008 e abriram 2009, que impedissem de pensar em destinos longínquos, quedando-me por Albufeira, num passagem de ano inesquecível, que em muito contribuiu o numeroso grupo de amigos, dos 18 aos 80, que comigo e a minha melhor amiga, abraçaram 2009.
Este foi o ano em que, definitivamente, percebi que não festejamos o ano que findou, mas o ano que se avizinha, a eterna esperança, o verdadeiro motor da natureza humana consiste em acreditar, acreditar sempre, que amanhã será melhor que ontem e pior que o dia seguinte. Poucos podem festejar o ano findo, pelo menos, não tantos quantos os milhares que invadiram Albufeira.
Passadas 2.30 h, de 2009 e depois de um pantagruélico repasto, alavancado por álcool q.b., estava plantado à porta do Hotel, aguardando a reunião daqueles que dentro do nosso grupo iriam desafiar a noite até o Sol nos lembrar que a noite já se despedira, quando o alvoroço pareceu mais que simples euforia etílica.

Avenida dos Descobrimentos (avenida principal que cruza Albufeira) abaixo, em correria louca gritavam-se impropérios, ameaças de vingança e morte, num português com sotaque, mais acima gritos de ira e de dor confundiam-se com cânticos e desejos de bom ano aos transeuntes. Os corredores improváveis, encontram-se na Estação de serviço no outro lado da avenida, onde num quase ritual de dança, concretizam as ameaças com a ajuda de paus, pedras, garrafas partidas e facas, que a distância não permite discernir. Naquele turbilhão de movimentos, gritos, a GNR. Dois guardas a quem a ronda de rotina, trouxe por mero acaso até ali, como gasolina na fogueira a sua presença inflama a violência e o ódio, soltos numa noite que se queria de esperança e diversão. De repente estava ali ao pé e à mão, literalmente, a autoridade, e como se sabe agredir a autoridade é reconhecimento de prestigio, num qualquer bairro da periferia.
Isolados num proporção de 2 para dezenas ouvem-se disparos, suficientes para dispersar em debandada os lutadores de muitas noites.
Restam os despojos de uma orgia de violência, feridos, tiros, garrafas partidas, paus, pedras, e sangue, muito sangue. Nos minutos seguintes os céus iluminou de luzes azuis e vermelhas e as sirenes abafaram os festejos que antes soavam ora distantes, ora perto do local.

No dia seguinte, os jornais e televisões, relatam o acontecimento. Álcool, etnias, drogas, juventude, classes sociais desfavorecidas, tudo pode servir para justificar o sucedido.
Ao longo, da longa noite voltei a encontrar a mesma mistura em sã convivência, partilhando momentos de dança, diversão, corpos, num jogo dos sentidos de desencontro com a realidade, em que ninguém tinha raça ou estratos sociais e a embriaguez contribuía para o relaxamento e sociabilização, ao invés de ódio e agressividade.

Nos dias seguintes rememorei o ódio quase tribal, os grupos étnicos, o desrespeito pela autoridade, os tiros, o sentimento de impunidade que confere a actuação em grupo, e das notícias os dois feridos, um dos quais em estado grave, um detido e prontamente libertado pelo tribunal no dia seguinte. Para a história ficarão as filmagens das câmaras de segurança da estação de serviço, testemunhas privilegiadas do acontecimento.
Violência, agressões, ódio, tudo numa noite, que infelizmente se replicará ao longo do ano, longe ou perto de nós, cada vez mais somente fruto do acaso.

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