quinta-feira, 5 de junho de 2008

A(s) Pesca(s)


Natural de Sines, terra piscatória, desde cedo entendi a importância social e económica do sector da pesca na comunidade. É certo que quando percebi que havia mundo para lá das paredes de casa dos meus pais, as pescas - plural - em Sines sofriam uma convulsão resultante da implementação do complexo industrial de Sines, que como se veria tocou todos os poros da vila. Aprendi a reconhecer a melancolia e nostalgia presa aos olhos dos pescadores que ficavam em terra olhando o horizonte, existia um romantismo naqueles homens rudes que lutavam e arrancavam da natureza o sustento enquanto dormíamos, a rudeza dos gestos e palavras, as rugas escavadas na cara, a forma pragmática como encaram a vida, tudo denuncia uma luta desigual, dia a dia, hora a hora, vaga a vaga, de cada vez que lançam as artes ao mar. O mar era a sua razão de viver, sofrem mais em terra, que no mar.
Contudo, poucas actividades como esta evidenciavam as desigualdades sociais, a par de pescadores andrajosos e remediados existiam os armadores, os donos, família ricas da pesca. O ano reparte-se em dois, Verão rico, Inverno pobre, tudo assimetria, a uni-los o sacrifício e a morte sempre a espreitar, a separá-los a riqueza que cabia a cada um.
Outro paradoxo destas gentes é que as suas conhecidas divergências eram o substrato que alimentava a união contra os escolhos da vida e do mundo, quantas actividades conseguiram fazer uma greve como a “Greve Verde”. Cientes que o barco é um mundo à parte, uma das regras não escritas é que não se resolve problemas a bordo.
Agora acabou, a pesca artesanal não resistiu, não resiste e não resistirá às economias de escala, às sinergias dos grupos económicos, à optimização dos custos de produção, à piscicultura, à industrialização da pesca, aos circuitos de distribuição e comercialização, em suma ao economicismo e a tudo o mais.
Mas enquanto eles andarem por aí, insistindo em namorar o mar, mão calejadas nos bolsos, olhar pregado no horizonte perscrutando ventos e marés, caldeirada com odores irrepetíveis, a pesca de outrora viverá, pelo menos no coração dos homens.

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