sexta-feira, 25 de abril de 2008

Liberdade Sempre


Quando “uns homens bons” prenderam “uns homens maus” que faziam mal às pessoas, tinha eu três anos e meio e o mundo era a preto e branco. De um lado os maus, do outro os bons. Tudo simples e o mundo esgotava-se nas paredes da casa de meus pais.

Mais tarde na escola primária, os homens maus, também era ricos e os bons, pobres, e os soldados - invariavelmente bons - tinham armas que disparavam cravos, pintados com afinco a lápis de cor vermelho para deleite dos professores. O mundo ganha espaço, ocupa a rua em brincadeira da apanhada, escondidas e futebóis. O 25 de Abril, confunde-se com o IOS (campo desportivo da vila), o desporto, a liberdade, o 1.º de Maio, as corridas da liberdade à meia-noite, as inaugurações com os discursos de cravo à lapela, a fanfarra na rua e os adultos de feriado. O partido comunista é o monopolista de Abril e os “outros” da PIDE, sem excepção.

O tempo avança e com ele chega o romantismo de esquerda, devidamente impregnado no ensino, na comunicação social, em toda a sociedade. As revoluções sempre fizeram bons casamentos com a juventude. Na adolescência o mais pequeno laivo de contradição é transformado num acto do mais puro fascismo. Che, Zeca Afonso, Cuba, Humberto Delgado, os presos políticos, a Revolução, a URSS, as associações de estudantes, a contestação a tudo o que represente autoridade, primeiros namoros, tudo junto no mesmo saco, num turbilhão de ideias que somente a adolescência consegue digerir. Não ser de esquerda era não ser da malta, estigma que ninguém queria, era a negar a aceitação. E ser de esquerda era ser comunista. Por muito que estrebuchasse o mundo continuava a duas cores.

Mais que a Universidade, a idade começa a pintar o Mundo e a encher palavras simples de múltiplos significados. Nem todos os retornados, ou exilados, ou regressados, era fascistas exploradores, a guerra colonial, de libertação ou ultramarina, não era tão clara e evidente como se pretendia, o 25 de Abril não era dos comunistas, nem dos militares, mas da sociedade portuguesa, composta por muitos partidos e sociedade civil, as nacionalizações e expropriações não se limitaram a fazer justiça, nem todo o património fora adquirido por capitalistas com as mão sujas de injustiças, a revolução para alguns não leva “r”, a reforma agrária não entregou a terra somente a quem a trabalha, aqui e ali suspira-se pela falta de respeito e autoridade de outros tempos. O 25 de Abril alarga-se e problematiza-se, agora é também o PREC, as dissidências, as FP-25, o MFA, a reforma agrária, a descolonização, o 25 de Novembro, o papel do PS e dos EU, a maioria silenciosa, a fonte luminosa, e mais, muito mais. A história começa a ajustar as suas contas, nunca inteiramente saldadas, como em todas as estórias.

Hoje, com gerações pós-revolução na fase adulta, o 25 de Abril, mais que uma data é um conceito, impregnado de liberdade, único predicado que transversalmente rasgou os anos de forma incontestável. A revolução dos Cravos ganhou idade e com a idade todos ganham respeito, até as velhas meretrizes.

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