SINES E A POLUIÇÃO
Vivendo Portugal uma época em que grassa a hipocrisia, os adiamentos, os silêncios e as falsas verdades no que se refere às questões ambientais é com regozijo que confirmo mais uma vez que a imprensa continua a ser uma referência de denúncia e esclarecimento cabal. Vem isto a propósito do artigo «Os gases de Portugal» (GR 173). Enquanto em Sines eternizamos o debate sobre o desenvolvimento sustentável, recorrendo a eminências catedráticas em jornadas ambientais com vocabulário técnico que afasta o mais interessado cidadão e a autarquia Siniense consegue que sejam efectuadas medições em contínuo e descontínuo dos gases atmosféricos (assombrosa glória) para identificar quais as unidades industriais poluidoras (dúvida arrasadora); enquanto criamos observatórios do ambiente e a população de Sines discute e revolta-se em silêncio contra os maus cheiros, o artigo consegue em poucas linhas responder a todas estas questões, provando que é possível falar de poluição de forma clara e compreensível para todos, e também que o Estado português sonega informação aos seus cidadãos, e só quando pressionado pela CE - entenda-se obrigado a pagar multas — cumpre as suas obrigações ambientais. Nado e criado em Sines há 33 anos, desde cedo percebi que a poluição era companheira de todas as horas. Contudo, ao longo dos anos, senti que não era irreversível, pois a população, a autarquia e as forças vivas lutavam contra um suposto fatalismo. Recordo a greve verde traduzida no cerco ao porto industrial pelas embarcações dos pescadores e a luta contra a incineradora de lixos industriais. Existia mobilização e liderança que conduziram à defesa dos direitos da população. Hoje, com o ridículo argumento de que não se deve protestar no Verão para não prejudicar o turismo em Sines (turismo?!) e de que o desenvolvimento económico é indissociável de poluição, acomodou-se a população, que vive numa passividade assustadora, trocando diariamente a sua saúde por um futuro monetariamente melhor. Estará Sines irremediavelmente inundada por um sentimento de impotência perante tão elevados interesses? Alguém que explique que é possível - com elevado investimento, é certo - reduzir significativamente a poluição atmosférica, que existem fontes energéticas alternativas e indústrias não poluentes e igualmente geradoras de emprego ou com impacto ambiental reduzido, que há países com mais desenvolvimento e com muito menos poluição. Alguém que grite aos ouvidos dos Sinienses que a poluição não é um fatalismo e que a saúde e o bem-estar não têm preço e são um direito elementar e inalienável, Quando for efectuado o estudo epidemiológico há muito exigido, vamos Infelizmente concluir aquilo de que suspeitamos: somos mais doentes e morremos mais, nomeadamente de doenças do foro oncológico, do que a generalidade dos portugueses. A propósito, alguém viu por aí as associações ambientais?
“Texto publicado na extinta revista Grande Reportagem, em 15 de Maio de 2004”
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