sábado, 5 de janeiro de 2008

SINES E A POLUIÇÃO

Vivendo Portugal uma época em que grassa a hipocrisia, os adia­mentos, os silêncios e as falsas ver­dades no que se refere às questões ambientais é com regozijo que confirmo mais uma vez que a im­prensa continua a ser uma referên­cia de denúncia e esclarecimento cabal. Vem isto a propósito do ar­tigo «Os gases de Portugal» (GR 173). Enquanto em Sines eterni­zamos o debate sobre o desenvol­vimento sustentável, recorrendo a eminências catedráticas em jorna­das ambientais com vocabulário técnico que afasta o mais interessa­do cidadão e a autarquia Siniense consegue que sejam efectuadas medições em contínuo e descontínuo dos gases atmosféricos (assombrosa glória) para identificar quais as unidades industriais poluidoras (dúvida arrasadora); en­quanto criamos observatórios do ambiente e a população de Sines discute e revolta-se em silêncio contra os maus cheiros, o artigo consegue em poucas linhas respon­der a todas estas questões, provando que é possível falar de poluição de forma clara e compreensível pa­ra todos, e também que o Estado português sonega informação aos seus cidadãos, e só quando pressionado pela CE - entenda-se obrigado a pagar multas — cumpre as suas obrigações ambientais. Nado e criado em Sines há 33 anos, desde cedo percebi que a poluição era companheira de todas as horas. Contudo, ao longo dos anos, sen­ti que não era irreversível, pois a população, a autarquia e as forças vivas lutavam contra um suposto fatalismo. Recordo a greve verde traduzida no cerco ao porto industrial pelas embarcações dos pesca­dores e a luta contra a incineradora de lixos industriais. Existia mobilização e liderança que conduziram à defesa dos direitos da popu­lação. Hoje, com o ridículo argumento de que não se deve protestar no Verão para não preju­dicar o turismo em Sines (turismo?!) e de que o desenvolvimen­to económico é indissociável de poluição, acomodou-se a popu­lação, que vive numa passividade assustadora, trocando diariamen­te a sua saúde por um futuro mo­netariamente melhor. Estará Sines irremediavelmente inundada por um sentimento de impotência pe­rante tão elevados interesses? Al­guém que explique que é possível - com elevado investimento, é certo - reduzir significativamente a poluição atmosférica, que exis­tem fontes energéticas alternativas e indústrias não poluentes e igualmente geradoras de emprego ou com impacto ambiental reduzido, que há países com mais de­senvolvimento e com muito menos poluição. Alguém que grite aos ouvidos dos Sinienses que a po­luição não é um fatalismo e que a saúde e o bem-estar não têm preço e são um direito elementar e inalienável, Quando for efectuado o estudo epidemiológico há muito exigido, vamos Infelizmen­te concluir aquilo de que suspeitamos: somos mais doentes e morremos mais, nomeadamente de doenças do foro oncológico, do que a generalidade dos portugueses. A propósito, alguém viu por aí as associações ambientais?

“Texto publicado na extinta revista Grande Reportagem, em 15 de Maio de 2004”

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