quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Contradições

Ouvia-se falar de muita coisa estranha, ilegalidades, diria alguém mais instruído no assunto. Havia até mesmo quem jurasse a pés juntos ter presenciado um outro desses estranhos acontecimentos, outros, queixavam-se de os terem sentido na pele. Mas estranhamente quase ninguém tinha a coragem de denunciar tais patifarias, que todos, a serem verdade, considerariam demasiado injustas.
Para alguém acabado de chegar àquele reino, esta gente não passaria de um bando de desdenhosos mal dizentes, que por inveja talvez, se dedicavam a criar estes boatos, que entredentes se iam espalhando sem barreiras por entre todos os súbditos. Porém, se aquele forasteiro por lá ficasse e ali assentasse arraiais, perceberia por sucessivas desilusões ingénuas, o motivo de tal silêncio.
Ali, naquele reino à beira-mar plantado, aparentemente tudo funcionava de forma relativamente justa e, havia até uma coisa chamada justiça, mas que a pouco e pouco se havia tornado, nalguns casos, escandalosamente injusta. Parece estranho que assim seja, mas era a esse ponto que haviam as coisas chegado e era precisamente essa, a causa de tão desagradável silêncio.
Perceberia isto ao verificar que da tão apregoada frase "uma justiça igual para todos", não havia vestígios, desaparecera sem deixar rasto à medida que a justiça, ela própria, parecia também ter cedido aos caprichos dos negócios.
Se entre iguais as coisas pareciam ser justas, apesar de morosas, entre diferentes, as coisas pendiam claramente para um dos lados da balança. Os ricos e poderosos contratavam as melhores defesas e os melhores ataques, porque hoje tudo se ganha em tribunal, o povo arranjava aquilo que podia, muitas vezes o que lhes davam, numa luta desigual, em que um dos lados se recusava a entrar, tal a evidência da derrota.
Não fosse esta batalha inglória, argumento suficiente para fazer desistir um qualquer mortal, havia também o sentimento de que os próprios juízes seriam também, vulneráveis a pressões que apenas alguns podiam exercer. Os que independentemente de tudo isto, decidiam avançar e denunciar o que consideravam ser injusto, viam-se forçados a provar que aquilo acontecera de facto, a ter que provar até mesmo intenções, que apesar de muitas vezes serem quase senso-comum, seriam impossíveis de provar à luz de tão decrépita justiça.
O outrora forasteiro ao reino, assistiria por certo a alguns desses casos se por acaso escolhesse aquela aldeia. Situações em que se verificava, principalmente algum tempo após os actos, que todas as peças encaixavam, num jogo de toma lá dá cá e tira àquele que anda a dizer mal de mim. Clubes, departamentos e associações acabavam por embirrações pessoais, e recebia-se donativos da coroa consoante o nível de amizade pessoal. Tudo isto era visível a olho nu e era naquela altura, natural para a maioria das pessoas.
Mas essa maioria era inculta e alienada e parecia viver fechada sobre si e os seus. Fé, alguns diziam tê-la e eram esses muitas vezes os piores, os que sempre acreditam na bondade de todos os homens. Mas culpas, jugo que ninguém as teria, seria o todo, talvez o tudo, o culpado de tal injustiça na justiça. Mas no fim, não será a vida ela própria uma vitima da sua própria injustiça?
Tratar-se-á de uma questão de fé, não de fé religiosa, mas de fé em nós e naquilo que seremos capazes de fazer por todos, naquilo que seremos capazes de fazer por nós.

4 comentários:

Anónimo disse...

"Mas essa maioria era inculta e alienada e parecia viver fechada sobre si e os seus." Eram portanto o povoleu de um dos posts anteriores.

Bruno Leal disse...

Não sei de que post fala nem li nada sobre isso. Mas num país onde a TVI é o canal mais visto, onde o Correio da Manhã é o jornal mais lido, julgo que não haverá muito mais a dizer. Podemos chamar-lhe o que quisermos, eu chamo-lhe o povo português.

Anónimo disse...

Caro Bruno,

O Post de de que falo no comentário das 12:11 é este:

http://estacaodesines.blogspot.com/2009/08/no-melhor-pano-cai-nodoa.html

Será que a nódoa não caiu tb no seu pano ?

Bruno Leal disse...

Mas o meu pano não pode ser comparado a esse. Eu não tenho problemas em afirmar que o povo português é ignorante e que ao contrário do que dizem, não é sábio. Se o fosse não estariamos como estamos hoje...
Mas obrigado pela comparação e pela chamada de atenção.